COMEMORAÇÃO DO TRICENTENÁRIO DA INSTALAÇÃO DA COMARCA DO SERRO (1720-2020)
PROCESSOS ICÔNICOS
Sertão dos Cataguases, início do século XVIII: vastas extensões de terras esparsamente habitadas, selvagens, inexploradas ou pouco conhecidas, não cartografadas, de limites fluidos e intangíveis. Regiões ora dominadas por densas florestas, ora por imensas campinas. Populações autóctones amistosas e hostis. “Terra sem lei, sem rei e sem Deus”, de acordo com o historiador Padre Antonil. Cenário de violência, roubos, assassinatos e toda sorte de injustiças, onde prevaleciam desregramentos, excessos, conflitos e distanciamento da ordem e da lei.
Nesse contexto se inicia a montagem do arcabouço administrativo-judiciário da região das Minas, processo esse intimamente vinculado à necessidade de regulação da atividade mineradora em frenética expansão e da marcha da civilização e ocupação de territórios que, em curto espaço de tempo, viram-se transformados em núcleos urbanos (Vila do Carmo, Vila Rica, Vila de Sabará, Vila do Príncipe).
Com a intensificação do movimento de ocupação das áreas mineradoras surgiu a necessidade de criação de unidades político-administrativas cada vez menores – termos, vilas, comarcas –, cujo propósito era, sobretudo, o de facilitar o controle e a fiscalização por parte da Coroa portuguesa.
Em 6 de abril de 1714, o governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro (desmembrada da Capitania do Rio de Janeiro em 1709), Dom Brás Baltazar, dividiu administrativamente o território da região em três comarcas: a Comarca do Rio das Velhas, a Comarca de Ouro Preto e a Comarca do Rio das Mortes, que tinham como sede, respectivamente, os Conselhos Municipais das Vilas de Sabará (Sabarabuçu), Vila Rica e São João del-Rey. A Ordem Régia de 16 de março de 1720 criou a grande Comarca de Serro Frio (desvinculada da imensa comarca do Rio das Velhas), sediada na Vila do Príncipe, cuja jurisdição compreendia terras de todo o norte-nordeste do atual Estado das Minas Gerais.
Figura 1: Comarcas de Minas – séc. XVIII
Figura 2: Comarca do Serro Frio – 1778
A comarca foi instalada na região nomeada pelos índios de Ivituruí (morro do vento frio), daí o nome Serro Frio ou Serro do Frio, junto à Serra do Espinhaço, onde, por volta de 1702, foram descobertos veios auríferos. Dividia-se em dois grandes termos: o do Serro Frio e o de Minas Novas (Vila do Bom Sucesso do Fanado de Minas Novas).
Para celebrar os 300 anos de instalação da comarca do Serro, o Arquivo Permanente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais apresenta uma coleção de processos judiciais relacionados a grandes personalidades da região serrana.
Diz-se no Serro que há uma personalidade nascida na região para quase cada dia do ano. Políticos, juristas, escritores, religiosos, militares, médicos… Nomes como Padre Rolim, Simão da Cunha Pereira, Theófilo Ottoni, João Pinheiro, Sabino Barroso, General Carneiro, Conselheiro Pena, Edmundo Lins, Pedro Lessa.
Há que se destacar também a importância das grandes mulheres da comarca do Serro Frio (Jacinta de Siqueira, Maria da Cruz, Maria do Ouro Fino, Chica da Silva), que ousaram desafiar a sociedade patriarcal, escravagista e elitista de sua época, e se constituíram em exemplos de coragem, força e empoderamento.
Por meio de documentos judiciais e sob o olhar atento da História, é possível reconstituir o modo de pensar, de agir, de fazer justiça de uma sociedade. Dessa documentação irrompem características sociais, culturais, religiosas e familiares de determinados grupos que permitem a reconstrução do espaço da freguesia, da vila, da comarca. No caso específico de Minas Gerais, podemos extrair dos processos judiciais personagens, desafios e lutas cotidianas que contribuíram na construção do Estado e do sentido de mineiridade. No dizer do pesquisador e historiador José de Alcântara Machado:
Sônia Santos
Historiadora/Bacharel em Direito
Coordenadora do Arquivo Permanente do TJMG