Promotor de Justiça em Minas Gerais, de 1984 a 1989
Juiz de Direito em Minas Gerais, de 1989 a 2012. Aposentado.
Advogado militante, a partir de 2012.
A Escola Judicial Des. Edésio Fernandes do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a liderança do Des. Tiago Pinto e a pretexto de comemorar os 300 anos da Comarca de Serro/MG, concitou-me a escrever um depoimento sobre a minha experiência vivida na tricentenária Comarca, um dos berços da Revolução Liberal (Teófilo Benedito Ottoni, um dos líderes – dono e editor do jornal A Sentinela do Serro), terra natal de juristas de escol, de Magistrados notáveis, dentre os quais se destacam os Ministros João Evangelista de Negreiros Saião, Pedro Augusto Carneiro Lessa e Edmundo Pereira Lins, que alcançaram a Presidência do Supremo Tribunal Federal.
Situado no centro-nordeste de Minas Gerais, na região central da Serra do Espinhaço, Serro faz parte do Caminho dos Diamantes e da Estrada Real, uma herança das minas que atraíram os bandeirantes paulistas e nordestinos no século XVIII.
A história mostra que, com o empobrecimento das minas de ouro e diamante, ainda no século XIX, o comércio se desenvolve e pequenas fábricas são instaladas. E, além das belezas naturais e das minas, o Serro possui um rico patrimônio histórico-cultural e produz o famoso Queijo do Serro, uma das mais conhecidas variedades do queijo mineiro, tendo inclusive sua receita se tornado patrimônio cultural imaterial do Estado de Minas Gerais, em 2002.
Serro continua a ocupar posição de destaque na região, e a cidade ganha também em importância política, congregando os seus cidadãos, na mesma comunhão jurídica, ao culto da liberdade e do direito. Não por acaso inúmeros são os serranos que se destacaram e ainda se destacam nas atividades políticas e jurídicas (advogados, promotores de justiça, magistrados, professores universitários, etc.).
Serrano que sou, nascido em 30/janeiro/1956, filho de Marino de Oliveira Coelho (então Escrivão do Crime, Acidentes do Trabalho, Execuções Fiscais e Retificações do Registro Civil), já falecido, e Carlota Nunes Coelho (do lar – viva), não poderia deixar de registrar o meu testemunho e o meu orgulho de ter nascido e forjado a minha personalidade (passei a infância e a adolescência na companhia dos meus queridos pais e irmãos – éramos sete), em um ambiente familiar e social, que só o Serro, carregado de história, de cultura de obediência aos princípios e dogmas da Igreja Católica Romana e de profundo respeito à liberdade e ao Direito, poderia propiciar.
Ainda muito novo, com treze anos de idade, quando ainda cursava o ginasial, no então Ginásio Estadual Mn. Edmundo Lins, fui levado para auxiliar o meu querido pai, na serventia do então Cartório do Crime, Acidentes do Trabalho, Execuções Fiscais e Retificações de Registro Civil – situação impensável em tempos atuais.
O Fórum funcionava no prédio da Prefeitura Municipal, onde hoje está sediada a Câmara de Vereadores. Prédio antigo. Tempos difíceis. Tão difícil que o Judiciário não era dotado de orçamento próprio e, por isso, a conservação e a limpeza dos Cartórios e Gabinete do Juiz eram providenciadas pelos próprios serventuários e pelo próprio Juiz – se quisessem trabalhar em um ambiente minimamente digno.
No atual prédio do Fórum, naquela época, funcionavam a Cadeia Pública (1º Pavimento) e a Delegacia de Polícia (2º Pavimento).
Então, com apenas treze anos de idade, comecei o contato direto com as questões judicializadas. Em um primeiro momento, fiquei encarregado de fazer a faxina do Cartório, levar correspondência aos Correios e fazer as intimações dos réus presos (na época, prisão preventiva era obrigatória – só depois veio a Lei Fleury). Com o transcorrer dos anos, as tarefas foram aumentando e acabei por me tornar apto a realizar todos os atos da serventia.
Recordo-me de que a Comarca estava desprovida de Juiz. Respondia, cumulativamente, o Dr. Bernardino Godinho Campos (então Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Mato Dentro/MG – depois, Desembargador do TJMG). Promotor de Justiça titular era o Dr. Theodoro Batista Goulart e, depois, com a sua saída, passou a responder pela Promotoria de Justiça a Dra. Zulmira Pereira da Silva Peixoto (então Promotora de Justiça da Comarca de Diamantina/MG). Ainda estávamos sob a égide do Código de Processo Civil de 1939, pelo que era permitida a prática de atos processuais não decisórios pelo Juiz de Paz (Sr. Oliveiros Nunes de Oliveira) e pelo Promotor de Justiça Adjunto (Sr. Mauro Nunes de Miranda). A Comarca foi provida, assumindo a judicatura o Dr. Armando Pinheiro Lago (depois Desembargador do TJMG), de saudosa memória (com ele, tive convivência mais estreita, porque ainda foi meu Professor de Francês, nas então 3ª e 4ª séries do ginasial).
Serventuários da Justiça de então: Marino de Oliveira Coelho (meu saudoso pai, então Escrivão do Crime, Execuções Fiscais, Acidentes do Trabalho e Retificações de Registro Civil, e que ainda respondia pelo Cartório do 2º Oficial do Judicial e Notas); João Bosco de Moura e Silva (Escrivão e Tabelião do Cartório do 1º Ofício do Judicial e Notas); Geraldo Magalhães (Oficial do Registro Civil, Protestos, Pessoas Jurídicas e Títulos e Documentos); Pedro Sousa de Oliveira (Distribuidor, Partidor, Contador e Tesoureiro); Teresinha Marly de Miranda Reis (Oficial do Registro de Imóveis); além dos Oficiais de Justiça: José Zacarias dos Santos (Pretinho), José Arcanjo dos Santos (Nonô de Neco) e Délcio de Fátima Santos (Délcio de Ladico).
No período de mais de cinco anos, convivi ainda com inúmeros advogados, destacando aqueles que militavam na Comarca: Wilson Ursine (falecido há pouco); José da Silva Baracho (saudosa memória – depois Juiz de Direito TJMG); Antônio Celso Carvalhaes (hoje Juiz de Direito aposentado) e o hoje Desembargador Armando Freire.
Tempos outros, de dificuldades econômico-financeiras, mas de riqueza na convivência humana. Tempos em que a criminalidade não passava da prática de crimes ocasionais; ainda não havia os profissionais do crime organizado; quando muito, pistoleiros de aluguel, facilmente identificáveis.
Fato pitoresco e que tudo tem a ver com a época: Copa de 1970 – México. Serro, cidade isolada no mapa de Minas Gerais, por falta de rodovias asfaltadas, também não dispunha de sistemas de recepção de sinais de televisão eficazes. Poucas as moradias que dispunham de tal modernidade. A Prefeitura, então, instalou uma televisão na Praça João Pinheiro, de frente para a escadaria da Igreja Nossa Senhora do Carmo, que servia, então, de arquibancada. Todos que não dispúnhamos de TV em casa corríamos para a escadaria da Igreja do Carmo, para assistir aos jogos. Mas os jogos transmitidos durante o dia eram difíceis de assistir, por causa do reflexo do sol, o que dificultava a visão das imagens. Aí, descobri que, na Delegacia de Polícia (ficava no 2º pavimento do prédio da Cadeia Pública), o Delegado de então, Tenente Almerindo (se não me falha a memória), havia instalado um aparelho de televisão, exatamente no salão onde hoje funciona o Tribunal de Júri da Comarca. Ir para ali passou a ser a melhor opção. E ali assistia aos jogos, na companhia do Delegado, do Escrivão de Polícia (Abílio Machado, se não me engano), dos Policiais Militares e dos presos, que eram autorizados a sair de suas celas e irem assistir aos jogos da seleção brasileira, que se consagrou tricampeã mundial.
Sinto gratidão e orgulho por ter nascido na velha Serro, no seio da família constituída pelos meus pais (Marino e Carlota), com respeito aos princípios católicos; de, ainda adolescente, passado a conviver com tão ilustres, renomados e reconhecidos Magistrados, Promotores de Justiça e Advogados; de ter participado do convívio diário com reconhecidos e respeitados serventuários da Justiça. Não tenho dúvidas de que essa convivência foi que forjou a minha personalidade, mostrando-me o caminho que deveria trilhar, ou seja, o caminho do direito, com obediência à ética e ao agir com lealdade e respeito à dignidade da pessoa humana. Com certeza, foi um período rico, no qual muito aprendi e do qual nunca me esquecerei.